quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Por que Deus permite que coisas ruins aconteçam a pessoas boas?


A atual experiência espiritual cristã tem sido reduzida à equação da justiça moral e retribuitiva de causa e efeito. Ou seja: Deus dá bênçãos para as pessoas boas e permite sofrimento para as pessoas ruins. Essa fórmula é uma verdade bíblica, mas não corresponde a toda a verdade bíblica. Na verdade, esta equação indica o perigo de que tudo o que acontece em nossas vidas depende exclusivamente de nós. Mas sabemos que muitas vezes não somos responsáveis pelas causas de nosso sofrimento. Muitos dos dramas de nossa vida estão fora do controle de simples mortais como nós. E não é difícil encontrar crentes íntegros e fiéis sofrendo dores terríveis. 
Mas por que Deus permite que coisas ruins aconteçam a pessoas boas? A resposta que muitos encontram é a frustração de saber que Deus não funciona ou o desespero de carregar um pesado complexo de culpa por se considerarem incapazes de ser bons o bastante para manter um relacionamento com Deus protegido e livre de qualquer sofrimento. Ou ainda, saem dizendo que obedecer a Deus não vale a pena. E seguem o conselho da mulher de Jó: “Amaldiçoa a Deus e morre” (Jó 2:9). No final das contas, quando nada sai como o esperado, surgem neuroses e decepções. O resultado é a escravidão a ritos de barganhas e um relacionamento utilitarista com Deus. E isto é sinal de uma pseudo-espiritualidade cristã.
A absolutização dessa fórmula retribuitiva moral de causa e efeito nem sempre tem validade bíblica nem muito menos é exata e sempre verdadeira na experiência de vida de todos nós. O Pr. Ed René Kivitz diz que “O mundo não obedece à justiça retribuitiva, coisas boas para pessoas boas e coisas ruins para pessoas ruins. Até porque ninguém é totalmente mal. E ninguém é totalmente bom. Assim também o mundo e a vida. A história, que tem como protagonistas pessoas em quem o bem e o mal se misturam e se confundem, não poderia ser tão exata. Por essa razão, de vez em quando acontecem coisas ruins para pessoas boas, coisas boas para pessoas ruins, e ninguém se surpreende mais quando acontecem coisas ruins para todo mundo”. Ou seja, a queda humana alterou a lógica da criação nos mais diversos resultados da equação moral de causa e efeito dos fatos de nossa vida. E por isso que o mal e o bem se misturam em nosso ser e a recompensa e a dor também se confundem nos resultados morais de nossa obediência a Deus.
Este tipo de fórmula retribuitiva, sendo considerada absoluta em todas as circunstâncias e em todas as pessoas, é uma tentativa de querer guardar Deus numa caixa de mágicas e acioná-lo com o botão da obediência da fé. E quando quiser é só estralar os dedos da obediência e chamar Deus – o empregadinho domesticado, contratado e comprado por uma fé barata – para realizar os desejos gulosos e insaciáveis do coração. Na verdade, essas fórmulas não passam de uma tentativa de manipular Deus e condicioná-lo a obedecer ao contrato de nossa fé utilitária. É como se nossa obediência a Deus o obrigasse a sempre nos recompensar com seu favor e nunca permitir que algum mal aconteça sobre nós. Isso é um absurdo! A partir do livro de Jó podemos aprender 3 lições:
1. Ao ler as Escrituras Sagradas entendo que Deus permite que coisas ruins aconteçam a pessoas boas – como o justo Jó que experimentou a dor, a solidão e o silêncio de Deus - para despir as mais íntimas motivações e intenções do coração dos que obedecem a Deus. Deus lança Jó numa experiência de sofrimento e abandono total, a fim de possibilitá-lo a andar numa vida de fé pura e incondicional, para que aprendesse a amar a Deus somente por causa dele mesmo e não pela proteção, bens, saúde, família e status que ele desfrutava das mãos de Deus. Isso nos ensina que o sofrimento na vida dos justos nos leva a experimentar um processo de desnudamento dos sentimentos mais secretos do nosso coração. Porque nem sempre os motivos e as intenções mais secretas de nosso coração, que nos levam a buscar a Deus, seu poder e misericórdia, nascem do desejo puro e sincero de amá-lo e serví-lo desinteressadamente. O Pr. Ricardo Barbosa diz que A partir do momento em que o homem for capaz de adorar e servir a Deus por nada, simplesmente porque este é Deus e não porque cobre de benefícios, aí ele encontra o sentido maior da sua devoção, o centro da sua espiritualidade, o coração como fonte dos afetos mais puros e genuínos da alma humana”. E isto é adorar em espírito e em verdade, amando incondicionalmente a Deus de todo coração.
2. As escrituras sagradas do livro de Jó também nos ensinam que Deus permite que coisas ruins aconteçam a pessoas boas para reconhecermos que Deus é livre e soberano e suas ações obedecem às iniciativas gratuitas do seu amor e não a absoluta formula retribuitiva que nossa justiça própria criou. Deus permite que a dor da perda, do abandono e da solidão alcance Jó, um homem justo, reto e temente a Deus, para lançá-lo numa terrível crise existencial de fé. Deus conduz Jó a viver uma experiência de sofrimento para nos ensinar que não devemos obedecer a Deus pela previsibilidade de suas ações que retribuem matematicamente o justo e o ímpio. Nós adoramos a Deus porque ele é Deus e nada mais. Não podemos tentar manipular Deus em nossas pretensões humanas e encerrá-lo num sistema de prêmios e castigos prognosticáveis; mas, amá-lo incondicionalmente sem exigências e expectativas retribuitivas, reconhecendo sua soberania, sua graça e amor. Isso quer dizer que nossa obediência a Deus deve ser por amor, voluntária e incondicional e jamais ter a ousadia de exigir algum direito, fazendo-nos credores e fazendo Deus devedor de algo para nós. Disso, surge a liberdade de Deus de ser quem é, e surge a liberdade do homem em obedecer a Deus por amor incondicional e desinteressado.
3. A peregrinação espiritual de Jó ainda nos ensina que Deus permite que coisas ruins aconteçam a pessoas boas para produzir em nós uma fé incondicional no caráter de Deus, mesmo que, no fim da contas, não haja a menor explicação dos porquês de nosso sofrimento. A fé incondicional nasceu no coração de Jó, quando Deus falou com Jó através da dor, ou quem sabe, apesar da dor. E no fim das contas, em seu discurso final (Jó 38 - 41), Deus não explica as causas do sofrimento de Jó nem muito menos toca no assunto. Saber que coisas ruins podem acontecer a pessoas “boas” como eu e você perturba o nosso relacionamento com Deus. Nessas horas, somos assaltados pelas dúvidas e nossos sentido doloridos pela dor produzem apenas falta de fé. Paul Tournier disse certa vez que “Onde já não há qualquer oportunidade de dúvida, também já não há qualquer oportunidade de fé”. E parece que nossa fé amadurece regada a muitas crises de fé, silêncio de Deus e falta de sentido para sofrer. Esse é o tipo de fé que Deus valoriza e deseja ver em seus filhos: A fé incondicional. Philip Yancey também disse que “A fé requer incerteza, confusão. A Bíblia inclui muitas provas do interesse de Deus – algumas bastante espetaculares – mas nenhuma garantia. Uma garantia no final das contas eliminaria toda a fé”. Se Deus explicasse todo o mistério da trama do sofrimento, a fé incondicional de Jó seria descartada, anulada e não seria genuína. Assim, penso que é preciso que Deus não explique todas as causas de nosso sofrimento a fim de criar e preservar em nós uma fé incondicional capaz de crer em Deus mesmo quando coisas ruins acontecem a pessoas “boas” como nós. Somente assim, nosso relacionamento com Deus poderia sobreviver a dor, sendo guiado somente por amor, afeto e uma fé incondicional, livre e desinteressada.
Conclusão: Quando Deus permite coisas ruins aconteçam a pessoas boas é a oportunidade de aprendermos que a dor permitida por Deus está despindo as mais íntimas motivações e intenções de nosso coração em amar a Deus desinteressadamente. Com o coração despido pelas perdas da vida, podemos amar a Deus por causa Dele mesmo e não pelo que ele deixou de fazer, fez, faz ou pode fazer. Disso, nasce a fé e o amor incondicional que não exige nem limita Deus a obedecer a fórmula retribuitiva de causa e efeito que nossa justiça própria criou. Essa fé incondicional tira Deus do banco dos réus de nossa dor e o coloca soberanamente no seu trono sobre nossas vidas. Além disso, o mistério oculto de Deus sobre as causas de nosso sofrimento surge para nos rendemos a Deus, livres para amá-lo incondicionalmente e para descansar nossa alma em seus braços de amor e saber que não somos donos de nossas vidas. A insegurança, as dúvidas, as crises existências de fé que nos assaltam no sofrimento nos deixa apenas a opção de entregar completamente a Deus o controle da história de nossas vidas para podermos adorá-lo, sem exigir que seu caráter e seu agir sejam determinados por nós e pela nossa obediência. Somente assim, surge a liberdade para amar a Deus de todo coração (Mt 22:36) e descansar nossa alma, sem reservas e com fé confiante, nos braços de nosso criador, mesmo quando coisas ruins acontecem a pessoas “boas” como eu e você.

Em Cristo, que experimentou o sofrimento por nós apesar de ser santo

Jairo Filho

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