Onde está Deus na história de Jó? Parece que Deus está de braços cruzados, inerte, ausente e apático; porque foi enganado, manipulado e derrotado pelas suspeitas cínicas do Diabo, uma vez que o cenário que Jó enxerga é solidão, abandono e rejeição extrema. A sensação que temos é que bem na hora em que Jó mais precisava de seu socorro, Deus some e o abandona sozinho, ferido, pobre, enlutado, deprimido, desiludido com sua própria fé e absolutamente despido de tudo e de todos. Parece que Deus se esconde de propósito, enquanto observa Jó agonizando de dor e ouvindo seus gemidos de desespero, reclamando e se defendendo das acusações inflamadas de seus amigos. E além do mais, o sofrimento de Jó é somatizado pela crise de fé de saber que está agonizando de dor, carente, solitário e procurando no escuro Aquele a quem consagrou toda a sua vida por toda vida.
Será que podemos continuar confiando em Deus quando não o encontramos em nosso sofrimento? Como é que um Deus que diz ser nosso Pai amoroso e nos deixa órfãos no momento em que mais precisamos dele? Nessas horas, somos assaltados pela dor da traição. Por que Deus não age com poder, milagres extraordinários e maravilhas na minha vida da mesma forma que fazia nas Escrituras? Penso que nessa hora os ateus têm vantagem sobre nós, porque somente quem é ateu não se decepciona com Deus, pois nada esperam de Deus. Mas quem se entregou aos cuidados de Deus, espera sempre a sua ação, manifestação e intervenção. Por isso, essas perguntas são feitas pela fé de quem está à beira de se sentir traído e decepcionado com Deus.
Assim, entendo que o sofrimento nos leva a repensar sobre o lugar de Deus em nossa vida. O resultado dessa busca por Deus no meio da dor é uma crise de fé que abala toda nossa devoção e piedade. Pois entendo que o sofrimento é o cenário do processo de amadurecimento da fé que passa por crises, angústia mental, incertezas, dúvidas, desespero, tensão, drama e fortes emoções. Na verdade, o sofrimento revela que não existe super-crente cheio de fé o tempo todo. O sofrimento revela nossa fragilidade e carência como parte integrante de amadurecimento de fé. Penso que o livro de Jó nos ensina que Deus está presente no sofrimento para ser mais conhecido, à medida que nós conhecemos nosso próprio coração, mesmo quando nossos sentidos estão doloridos pelo sofrimento inexplicável.
Diante da crise de fé que assalta o coração de quem sofre, quero compartilhar, a partir do livro de Jó, alguns atributos de Deus que podem nos ajudar a ver, interpretar e reagir à dor no sofrimento. Agora é hora de mudar o foco: de olhar somente para nossa ferida e agora também olhar para o Deus de nossa vida. Assim, quero lembrar a sua fé alguns atributos de Deus que a história de Jó nos apresenta a partir do diálogo entre Deus e Satanás e sua conexão com o restante do drama da história.
1. DEUS É O CRIADOR DA HISTÓRIA
O drama de Jó começa após o diálogo entre Deus e Satanás. E Deus permite que Satanás seja o agente causador do sofrimento de Jó. Diante disso, surge a pergunta: Quem criou Satanás? Qual a sua origem? Respondo: Deus criou Lúcifer, e Lúcifer se transformou em Satanás. Deus criou um anjo de luz, e o anjo de luz, no exercício de sua liberdade moral, rebelou–se contra seu Criador e tornou–se Diabo. Assim, eu creio na existência do Diabo. Mas o que se entende por Diabo? C.S Lewis nos ajuda responder: “A mais comum de todas as questões a mim colocada, é se eu creio na existência do Diabo. Então, eu digo: se por Diabo você está pensando num poder em oposição a Deus, como Deus, que seja auto-existente desde a eternidade, minha resposta é não [...] Não há nenhum ser não-criado exceto Deus. Deus não tem um oposto a Ele. Nenhum ser poderia atingir maldade perfeita a fim de competir com a perfeita bondade de Deus”.
O Deus que Jó nos apresenta é o Deus que se revela como sendo o único Criador de todas as criaturas da terra, não deixando qualquer possibilidade para o politeísmo nem para o dualismo. Não há indício na Bíblia de uma ordem estranha de espíritos com um domínio rival fora do alcance do Senhor. Ou seja, não há um universo maligno, in-criado, auto-existente e auto-sustentável fora do conhecimento e alheio ao Senhor. Deus é o criador de tudo. Esse fato aponta para Cristo; pois, Cristo é o primogênito sobre toda a criação: “..porque nele foram criadas todas as coisas nos céus e na terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos, sejam dominações, sejam principados, sejam poderes; tudo foi criado por ele e para ele”. (Cl 1:16). Logo, Satanás é apenas um criatura coadjuvante, periférica e secundária na história.
2. DEUS É O TODO-PODEROSO DA HISTÓRIA
Saber que Deus é o criador de todo universo e que não existe um universo maligno desconhecido e fora do alcance de Deus, nos conduz a entender que Deus é o todo-poderoso do universo. E Jó confessa e reconhece o poder de Deus quando diz: “Bem sei que tudo podes...” (Jó 42:2).
Aplicando o poder de Deus em relação a Satanás, podemos entender que o livro de Jó nos apresenta Satanás como sendo apenas um provocador dos homens e jamais um opositor a altura de Deus. Francis Andersen nos elucida sobre a identidade e presença de Satanás na história de Jó dizendo: “A sua insolência demonstra uma mente já pervertida e longe de Deus, mas sua hostilidade não está na escala de uma potência rival. Aqui há maldade, mas não dualismo. Satanás pode ser o principal causador de confusão no universo, mas é uma mera criatura, insignificante em comparação com o Senhor. Pode fazer apenas aquilo que Deus permite que faça. Na assembléia, é mais um perturbador da ordem de que um oficial.” Ou seja, o que não se pode defender é igualdade entre Satanás e Deus. Temos que entender que Satanás é nosso inimigo e não de inimigo de Deus. Inimigo de outro é aquele que tem força semelhante. É impossível fazer qualquer tipo de comparação entre a força de Satanás e a de Deus.
O diálogo entre Deus e Satanás revela a absoluta supremacia de Deus sobre Satanás. Não podemos entender que há um duelo de dois titãs no ringue da vida lutando pela alma do mocinho num inseguro suspense e numa aposta cega e imprevisível. Mas, esse diálogo me faz olhar jamais para dois seres superiores e iguais, mas sim, apenas para Um – o supremo Deus Todo-Poderoso – e somente a ele dirigir meus gritos de angústia.
Ao ver Jó sofrendo, aparentemente, imaginamos que Satanás ganhou a “luta” e agora tem a posse da alma de Jó. Mas Deus se apresenta como todo poderoso quando limita a ação de Satanás. A presença, ação e movimento de Satanás estão limitados por uma corda firmemente segura pela mão poderosa e soberana de Deus. Perceba que Deus limita a ação de Satanás na vida de Jó ordenando: “...não estendas a tua mão contra ele...” (Jó 1:12). E ainda determina: “...poupa-lhe a vida...” (Jó:2:6). E Satanás obedece. Pois, assim como os outros anjos, ele se apresenta para dar satisfações a Deus de suas atividades na terra. Satanás tem que prestar o relatório de suas atividades na terra, e só se apresenta na história porque o Senhor Deus Todo-poderoso abre espaço para o diálogo.
Assim, a presença de Satanás na assembléia celestial demonstra sua infinita submissão e dependência como uma criatura coadjuvante nessa trama cósmica que tem o Senhor Deus Todo-Poderoso como o protagonista. Diante disso, não podemos nem subestimar nem exaltar a presença de Satanás no sofrimento dos justos. O que devemos fazer é colocar Satanás no seu devido lugar - que é debaixo da mão poderosa de Deus – na hora do sofrimento. Logo, se Satanás estiver afligindo os filhos de Deus com o sofrimento, não podemos duvidar de que o Senhor Deus Todo-Poderoso é infinitamente supremo ante ao minúsculo Satanás. “Porque eu estou bem certo de quem nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as coisas do presente, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor.” (Rm 8:38, 39). Uma vez que, Cristo despojou “os principados e potestades, publicamente os expôs ao desprezo, triunfando deles na cruz”. (Cl 2:15).
3. DEUS É O SOBERANO DA HISTÓRIA
O Deus que Jó nos apresenta é Deus soberano. Jó reconhece que: “... nenhum dos teus planos pode ser impedido/frustrado”. (Jó 42:2). Isso implica dizer que Deus tem plano, agenda, métodos, modo operante de agir, estratégias, propósitos, meios, tempo, vontade que só cabem na sua mente. Isso significa que Deus realiza tudo o que ele quiser, com seus próprios meios e fins determinados e executados pela sua soberana vontade. Isso implica que muitas de nossas perguntas não terão respostas. Por exemplo: Por que Deus usa Satanás para afligir Jó? Por que Deus aceita a provocação da suspeita cínica de Satanás acerca das motivações e intenções de Jó ser obediente e justo? Deus não precisa provar nada. E por que fazer um teste num homem que é íntegro, inteiro, completo, maduro o suficiente? E por que permitir um sofrimento tão extremo na vida de um homem bom? A soberania de Deus responde com uma simples palavra: Mistério.
A confissão de fé de Westminster assim define soberania de Deus: “Desde toda a eternidade, Deus, pelo muito sábio e santo conselho da sua própria vontade, ordenou livre e inalteradamente tudo quanto acontece... (Cap. III, 1)”. Isso implica dizer que a soberania de Deus é a manifestação da perfeição de seu ser, pela qual Ele mesmo é o Sumo bem de todas as suas criaturas. Assim, todas as decisões e ações de Deus são feitas para dar vida a todo mundo. E mediante o simples exercício de sua soberana vontade, Deus pode realizar tudo quando está presente em sua vontade e conselho. Ou seja: toda a história de Deus na tua vida tem um plano que jamais será frustrado, mesmo que nesse plano tenha dores e sofrimentos inexplicáveis.
4. DEUS É O GOVERNADOR DA HISTÓRIA
O Deus que Jó nos apresenta exerce sua soberania como o governador do Universo. Dessa forma, Deus não age no mundo tendo reações descontroladas diante de problemas e imprevistos. Para Deus não existe a idéia de notícias inesperadas. Deus nunca é pego de surpresa para solucionar problemas. Suas mãos comandam toda a história. Cada fato que acontece na história não passa desapercebido por Deus. Com isso, Deus governa como rei soberano sobre todo o universo criado.
Jó foi pego de surpresa quando soube das seqüência de tragédias, catástrofes, mortes e perdas. Mas por incrível que pareça, nada disso estava fora do olhar e do controle de Deus. Ou seja, todo drama de Jó não é fruto do acaso, da imprevisibilidade, má sorte de um destino cego e incerto, aleatoriedade inconseqüente dos fatos, carma, destino determinado e imutável. Pelo contrário, toda a história está na palma das mãos de Deus.
Não podemos esquecer que Deus tem o controle absoluto das ações de Satanás. Pois é ele quem determina seu agir na vida de Jó quando ordena: “... não estendas a tua mão contra ele...” (Jó 1:12) e “...somente poupa-lhe a vida...” (Jó:2:6). Pois a Bíblia nos diz que Deus governa sobre todos o seres humano. Deus é chamado de o “grande Rei” em (Sl 48.2), todo-poderoso (Sl 24.8), com reinado eterno (Sl 29.10) sobre toda a terra (Sl 10.16). Enfim, Deus tem o absoluto governo de tudo (I Cr 29.11,12). Nada pode frustrar e impedir a ação de seus planos (Jó 42.2). Deus é poderoso para fazer o que lhe agrada (Sl 115.3; 135.6 e Dn 4.35). Deus é soberano sobre todos os reis da terra e os mantém no seu controle (Pv 21.1; Ap 19.16; Rm 9.17; Ex 9.12,16). Não há nenhum ser humano fora do domínio poderoso de Deus. Assim, nada acontece por acaso. Ele está no controle de todos os acontecimentos da vida humana. Ele ordena e determina o curso da história antes que ela ocorra. Javé é o Senhor da história. (Dn 2.7; 4.17; Is 55.11). Assim, também Deus governa sobre todo mundo angelical. Nem o mundo invisível, nem a interferência dos anjos, demônios e Satanás na história humana ou antes da criação do mundo podem fugir do domínio soberano do Todo-Poderoso. Todos os seres invisíveis estão subordinados a cumprir os propósitos eternos do soberano Deus. Os anjos comparecem diante do trono de Javé para adorá-lo por toda eternidade (Ne 9.6; Ap 4.8-11). Por isso que os demônios e Satanás se apresentam diante do Todo-Poderoso para prestar relatório e obedecer suas ordens (Jó 1.6; 2:1). Em Jó 1.6 e 2.1, Satanás comparece ao trono do Todo-Poderoso para prestar contas de suas atividades na terra. Ele se apresenta com um servo que tem hora para chegar e para sair.
Mesmo sabendo que Satanás não é onipresente, mesmo assim, não podemos subestimar o fato que ele está ao nosso redor como o leão que busca nos tragar (I Pe 5:8). Satanás não está rodeando a terra e passeando por ela porque está ocioso, desocupado, nem fazendo turismo sem sentido e sem propósitos malignos. O Diabo espera uma brecha para agir malignamente na vida humana. Ele é nosso inimigo, ladrão, perverso, maligno, destruidor. Seu propósito é matar, roubar e destruir (Jo 10:10). Suas ciladas estão a espera daquele que estiver desatento e despreparado (Ef 6:11). Porém, não podemos entender que Satanás é sempre o único responsável pelo sofrimento de todas as pessoas e em todas as circunstâncias e histórias. Ele não está agindo no mundo de forma descontrolada. Suas atividades cruéis na terra estão limitadas ao kairós de Deus que tem o poder de amarrar e destruir Satanás no tempo em que desejar (Ap 20.2).
5. DEUS É O SENHOR DA HISTÓRIA
É interessante notar que é o Senhor, e não Satanás, quem trás a tona o caráter íntegro e a felicidade de Jó. “O Senhor disse a Satanás: 'De onde você veio?’ Satanás respondeu ao Senhor: ‘De perambular pela terra e andar por ela’. Disse então o Senhor a Satanás: ‘Reparou em meu servo Jó? Não há ninguém na terra como ele, irrepreensível, íntegro, homem que teme a Deus e evita o mal’”. (Jó 1:7,8). Logo, Deus é quem começa a história e promove todo o drama ao apresentar seu servo Jó a Satanás e a permitir-lhe que aflija a vida de Jó com perdas e danos. E também é o Deus que determina o desfecho da história de Jó. Ou seja, o mesmo Deus que começou a história é o mesmo Deus que terminará de contá-la. Mesmo não entendendo seu drama, Deus está na tua história o tempo todo e sabe o momento exato de agir.
Ilustração: Conta-se que uma bordadeira tinha seu filho sempre brincando aos seus pés enquanto bordava. Seu filho olhava para cima e não conseguia entender o trabalho de sua mãe, pois só enxergava fios e linhas desconexas e tortas. E sempre perguntava: ‘Mamãe, o que a senhora está fazendo?’ Mas, mesmo sua mãe respondendo, ele não entenderia a necessidade de ter um emaranhado de fios e linhas no processo da costura de roupa para protegê-lo do frio. Certa vez sua a mãe colocou seu filho no colo e, enfim, seu filho olhou de cima para baixo e viu a obra de sua mãe pronta. Naquele momento, seu filho entendeu o resultado da obra das mãos de sua mãe. Assim, Deus um dia nos colocará em seu colo de amor e nos revelará como ele escreveu a história de nossa vida.
Ele é o Tapaceiro da vida.
E mesmo Jó não sabendo toda a explicação da origem do sofrimento, ele conseguiu entender os planos de Deus sobre a vida. No final, quando olhamos nossa vida pela ótica de Deus, mudamos a expressão de choro para alegria e celebração.
Diante dessas verdades a cerca do caráter de Deus, a pergunta: “Onde está Deus quando estou sofrendo?” deve ser mudada para: “Onde está minha fé em Deus quando estou sofrendo?” Entendo que o sofrimento dos justos é um convite a adoração, e essa adoração vai despir nosso coração para transformá-lo. Assim, o sofrimento é usado por Deus para moldar nosso caráter.
Em Cristo, o Deus conosco.
Jairo Filho
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