quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Eclesiastes: A sabedoria de viver a vida como ela é


 O nome ECLESIASTES vem da palavra grega “eclésia” que significa igreja, assembléia, reunião. E o nome “eclesiástes” é o nome grego para o nome hebraico qoheleth” que significa “o sábio que reúne  uma assembléia para falar-lhe; ou, simplesmente, o pregador, aquele que sabe e diz o que sabe”. O qoheleth é um homem sábio, colecionador de provérbios, professor e escritor. A tradição judaica garante que cântico dos cânticos foi escrito na juventude de Salomão, enquanto que o livro de provérbios foi escrito na sua maturidade; e, finalmente, em sua velhice, Salomão escreve o livro de eclesiastes. Para melhor entender o livro de Eclesiastes é necessário algumas considerações:

Realidade
O eclesiastes enxerga a vida como ela é sabendo sobre a vida real debaixo do sol. O propósito do eclesiastes é examinar a vida aqui e agora. Ele descreve e analisa o que vê. Salomão não destaca as realidades espirituais por trás de cada evento da vida; ele, simplesmente, fala dos fatos reais que acontecem debaixo do sol. Ao usar a expressão “debaixo do sol” (30 vezes), Salomão se refere ao mundo visível. O foco de seus pensamentos não são as entrelinhas, mas as linhas da realidade nua e crua como ela realmente é. O discurso do pregador descreve a vida despida de ilusão, maquiagem e escamoteamento cor de rosa. Interessante que o pregador Salomão rejeita todo e qualquer jargão decorado que tenta explicar a vida com chavões do tipo: “Deus fecha uma janela, mas abre uma porta; Deus escreve certo por linhas tortas; Deus tarda, mas não falha; Deus tem um plano para a sua vida”. Falamos isso com muita fé e entusiasmo quando as crises da vida não estão nos alcançando no momento. Porém, quando somos assaltados pela violência da dor da existência gritamos: “Por que isso foi acontecer comigo? O que eu fiz para merecer isso?” Então, nessa hora, aparece gente dizendo os mesmos chavões ditos anteriormente por nós. E logo percebemos que esses gelados provérbios religiosos não passam de "blablablá" superficiais e sem sentido, incapazes de nos consolar em nossas feridas existenciais.

Vaidade
É assim que o eclesiastes descreve a realidade da vida. Ele usa o superlativo “vaidade de vaidades”, “super vaidade”, “vaidadíssima”, "vaidade completa". Entre Ec 1:2 e 12:8 o pregador repetirá esta declaração-chave cerca de 30 vezes como quem quer comprovar que a vida é uma vaidade. 
 É necessário saber que a palavra vaidade usada pelo eclesiastes não tem nada haver com essa conotação popular de que vaidade é essa vida empavonada, cheia de ostentação, nabalesca, cheia de luxo e brilhosa. Não é esse conceito que geralmente temos de se vestir de um desejo imoderado e infundado de merecer a admiração dos outros; nem é a busca por vanglória e ostentação. Não! A palavra vaidade tem pelo menos três significados:
Vaidade significa passageiro, efêmero, brevidade e transitório. A vida é como uma bolha de sabão ou fogos de artifícios, perfeitos e belos por lampejo de uma fração de segundos; sua perfeição é fugaz, surge e logo se desfaz. É como um vapor, fôlego ou sopro – é transitório, sem substância, vazio. É como o hálito solto numa manhã fria que embaça o vidro do espelho do banheiro e após um segundo se apaga a não existe mais. É nada de nada; é névoa de nada. É uma névoa que se evapora e logo se extinguirá e não mais voltará.
Vaidade também significa fútil, sem sentido, absurdo ou sem significado.  A vida é vista em estado de fraqueza e desconfiança em que demonstra futilidade, vazio, oco, falta de senso, frívolo, sem valor, vão, sem produzir efeito, engano, ilusão, ridículo, bobagem, besteira, tolice. O Eclesiastes diz que nada é digno de confiança, nada é substancial; nenhum esforço de per si trará satisfação permanente; as maiores alegrias são transitórias. Vejamos Três exemplos: (1) Recentemente, um jogador de futsal de Guarapuava-PR morreu quando deu um carrinho numa dividida de bola e escorregou num piso rachado e um pedaço de madeira perfurou sua a perna e entrou na barriga do jogador. Ao chegar ao hospital ele morre por hemorragia generalizada.
 

(2) Algumas semanas atrás, na cidade de Ivaí-PR, aconteceu um evento de corrida de carro. Após uma demonstração de um carro, o disco de embreagem desse carro se soltou e foi lançado direto no estômago de um menino de 10 anos que morreu na hora, caindo no chão diante da platéia assustada e boquiaberta, com todos os intestinos expostos para fora do corpo. (3) Também soube da notícia de um homem que morreu de uma parada cardíaca enquanto dirigia seu carro em alta velocidade. Havia somente uma criança no carro, sentada no banco de trás, que testemunhou a morte desse homem, e tentou acordá-lo, abraçando o homem por trás. Com o carro em alta velocidade e descontrolado, um caminhão bateu de frente com o carro. O carro ficou todo destruído. E os corpos irreconhecíveis. O resgate achou o braço cortado da criança abraçado na cabeça decapitada do homem. Diante de tudo isso, Salomão diz: Vaidade de vaidades. Não faz o menor sentido.

Vaidade ainda pode significar algo incompreensível ou enigmático. Salomão descreve a vida e seus mistérios. Mas, ele deixa claro que não é que a vida não tenha sentido, mas é impossível identificá-lo plenamente. E é por isso que não tem sentido, se não é possível identificar. Qual o significado da morte prematura de uma criança? Qual o sentido de um terremoto ou tsunami destruir toda uma cidade? O que podemos aprender com o nascimento de uma criança deficiente mental e/ou física? Salomão diz: A vida é vaidade de vaidades. Tudo é vaidade, névoa de nada, bolha de sabão.

Experiência
O livro do Eclesiastes não tem nota de roda pé. O eclesiastes enxerga a vida como ela é sabendo que experimentou plenamente a vida como ela é. O sábio Salomão, quando escreveu o eclesiastes, não está sentado numa biblioteca fria, embriagado com suas elucubrações teológicas e filosóficas, pesquisando bibliografias e escrevendo notas de rodapé numa tese discursiva sobre a vida. Ele não é um cientista existencial que está num laboratório esterilizado e isento das contaminações das crises da vida; nem está, imparcialmente, analisando a existência, como também não está testando suas teorias sobre a vida. O escritor do eclesiastes é alguém que viveu com toda intensidade a vida como ela é. Ele viveu de tudo e agora acha que a vida não faz sentido. Ele não fez um tratado químico e psicológico sobre a maconha, ele experimentou todas as drogas da vida e a vida de drogas. Ele não foi um teórico do capitalismo selvagem, ele foi um milionário esbanjador. Ele não foi um sexólogo, ele se deitou com todo o seu harém. Ele não foi um sonhador, ele construiu todos os seus sonhos. Ele não pedia conselhos, ele era o sábio conselheiro de todos. Ele não pedia autógrafo aos famosos, ele era a celebridade mais famosa de seu tempo. Ele não era um comentarista da vida, ele experimentou toda a vida como ela é por toda vida. E no fim, concluiu: “tudo era vaidade e correr atrás do vento, e nenhum proveito havia debaixo do sol.” (Ec 2:11b).

Pensar
O eclesiastes enxerga a vida como ela é sabendo que pensar dói. E pensar sobre a vida é, muitas vezes, sair da caixa da ciência teologia e da jaula da religião. Tanto a anatomia teológica quanto a religião institucionalizada por legalismos e triunfalismos tem a ousadia de prometer a solução de todas as dúvidas, questões e crises existenciais. Salomão vai se despindo da camisa de força das respostas prontas, decoradas repetidas e superficiais da religiosidade e foge para a ousadia das perguntas. Ele não tem medo de olhar para a vida como ela é dizer que não entendeu quase nada, e que quando está entendendo; ele conclui que a vida como ela é não faz sentido. Assim, o convite de Salomão é pensar sobre a vida.
Pensar sobre a vida real é tirar os óculos cor de rosa que produzem ilusão sobre a vida. É não por panos quentes sobre as crises existenciais, nem varrer para debaixo do tapete do esquecimento e da ilusão as loucuras da vida. Mas, pensar dói muito. Dói porque é nadar contra a maré dos jargões religiosos. Dói porque é se decepcionar com as respostas superficiais da fé. Dói porque é uma luta interior contra antigas convicções abaladas pela vida como ela é. Dói porque nos retira da zona de conforto para o trabalho árduo da reflexão em busca de novas respostas.
Mas quem pensa sobre a vida se lança no vento da sinceridade e da transparência. Quem pensa se liberta da camisa de força da religião. Quem pensa destrói a irracionalidade, o conforto e a preguiça da superficialidade da fé. Quem pensa não enterra a vida e a fé no mar de rosas da ilusão. John Stott já nos ensinou que “crer é também pensar, é perguntar o que não sabe e verificar se as verdades aprendidas resistem a um teste mais rigoroso”. Quando nos abrimos para pensar sobre a vida aceitamos mais facilmente o mesmo convite que Deus fez a Isaías em 1:18: “Venham, vamos refletir juntos”. Deus não é contra as interrogações nem a reflexão introspectiva em busca da sabedoria para viver a vida como ela é. Pensar é plantar a fé embrionária no terreno sagrado do conhecimento e regá-la com reflexões com a garantia de colher frutos de fé madura, forte e produtiva. Pensar nos torna mais humanos à medida que é destruída a irracionalidade, o medo e a incredulidade. Relaxe! A idade das trevas já foi embora e levou consigo o paradigma de que ter dúvidas sobre a fé é passível de condenação nas fogueiras da inquisição religiosa. Assim, aceite o convite do eclesiastes para pensar sobre a vida como ela é; e se libertar da superficialidade e da ilusão da vida, a fim de se aprofundar na fé que não tem medo de viver a vida como ela é.

Respostas
O eclesiastes enxerga a vida como ela é sabendo que não existem respostas para todas as perguntas. Na viagem do pensamento, vamos nos deparar com a certeza de que a realidade da vida é mais complexa do que nosso discernimento pode alcançar. A vida tem muitos mistérios indecifráveis que a mente humana não tem capacidade de responder. A resposta que Salomão nos ensina a dar para as nossas perguntas é “não sei”. Ele já vivia o adágio grego de Sócrates “só sei que nada sei”. Shakespeare colocou essa sabedoria na boca de Hamlet: “Há mais coisas entre o céu e a terra do que pode imaginar nossa vã filosofia” (Primeiro ato, cena cinco). Ed René kivitz, no seu mais novo livro “O livro mais mal-humorado da Bíblia”, nos ajuda a entender que nós temos a palavra revelada de Deus que é útil (II Tm 3:16) para descrever muitas “coisas importantes sobre o mundo em que vivemos e como ele deve funcionar. Por isso ela é útil. É um dos pontos em que podemos nos apoiar. Não sabemos tudo, mas sabemos o suficiente...Não é possível conhecer toda a verdade, mas é possível conhecer toda a verdade...o que desconhecemos não invalida aquilo que sabemos. O que sabemos não perde a eficácia “só” porque não sabemos tudo o que queremos saber” (p. 24).

Esperança
O eclesiastes enxerga a vida como ela é sabendo que há um Deus agindo nessa realidade aparentemente sem sentido. Por mais que o leitor seja assaltado por um desespero existencial, o livro abre espaço para perceber Deus agindo, apesar da falta de sentido da vida. Salomão, apesar do aparente caos, percebe que Deus está sobre e por trás da história da vida como ela é. A terra, o cenário da história humana, “é daquele cujos os olhos não vem sono nem de dia nem de noite” (Ec 8:16-17a). A esperança nos ajuda a reagir a nossa história de vida, interpretando a vida como ela é com os óculos de que vêem com fé Deus trabalhando em e por sua criação. Por mais absurdo que se possa entender a vida, a história humana não é despersonalizada, escrita pelo acaso, como se obedecesse ao roteiro de uma máquina programada a cumprir sozinha suas leis de auto funcionamento. O mundo não está no caos solto no acaso. Cada elemento da criação está funcionando como foi planejada para funcionar e controlada soberanamente pelo amor e graça de Deus. Dizer que o mundo veio do acaso é como dizer que houve uma explosão no alfabeto e formou-se um dicionário e um idioma que expressam a comunicação de idéias discursadas e/ou escritas. Quando o eclesiastes diz que a vida não tem significado, significa que ele não consegue enxergar sentido, mas não significa que não há sentido. Por trás das cortinas da vida como ela é debaixo do sol, ainda há um Deus, Pai, soberano e amoroso que tem em suas mãos toda a história da humanidade.

Base
           Só podemos ler o eclesiastes com os olhos mirados em Cristo; ele é a nossa base segura para darmos um salto de fé enquanto pensamos sobre a realidade debaixo do sol juntamente com Salomão. Cristo é o verdadeiro e maior eclesiastes. “Nele estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento” (Cl 2:3). A encarnação de Cristo revela toda a sabedoria e todo conhecimento. Se temos o Espírito de Jesus habitando em nós para encarnarmos o evangelho de Jesus em nossa história debaixo do sol, então, a sabedoria e o conhecimento de Cristo são o tesouro que está a nossa disposição para vivermos a vida como ela é. 
          Com essas considerações em mãos, vamos viajar pelos pensamentos sábios do eclesiastes de mãos dadas com a sabedoria da encarnação de Cristo para encarnarmos a vida de Cristo aqui e agora em nossa história debaixo do sol, e viver com sabedoria a vida como ela é.
           
Em Cristo, em quem estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento 

Jairo Filho

2 comentários:

  1. Você deveria fazer referência aos textos que escreve. Vi que muitos trechos desse texto são do livro do Pr. Ed René.

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  2. Anônimo, obrigado pela visita ao blog e pela ótima dica.

    O livro do Ed René Kivitz é um dos livros que fazem parte da bibliografia usada na pesquisa e estudo do livro do Eclesiastes e da série "A sabedoria de viver a vida como ela é". E como mesmo disse o Ed René: "Ser original é não citar a fonte". Vc viu bibliografia citada no livro "O Livro mais mau hunorado da Bíblia"?

    Abraços.

    Deus te crie com muito amor

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